segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Tema: Marrom

É verão na Inglaterra e eu não posso ver. Há muito que já não vejo mais nada. Apenas o marrom, esse marrom que insiste em aparecer na minha memória. O marrom olheira dos seus olhos. (Em pensar que esta foi a última coisa que eu vi.) Olheiras enormes e profundas. Marrons. Cada pigmento representado por uma lágrima, e esta por um tristeza. O marrom triste e inexpressivos dos seus olhos, o marrom do sangue velho coagulado. O marrom das frutas pobres.O marrom da merda, da bosta, do coco, do escremento. Esse marrom maldito que me persegue, mesmo que eu seja cego. Já chega o outono na Inglaterra, o estação do marrom, e mesmo sendo cego eu posso vê-lo.

Não gosto de outonos.


Lorena Borges

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Tema: Carne

Ao gosto de Augusto

Nunca antes se falara de Augusto, que tanto poderia ser João ou José, dada a simplicidade que expressava. Nunca antes se falara dele, que era um segredo meu. Tanto era Augusto, João ou José como Maria, Crisitna ou Isabela, ele assumi a forma que quisesse. Talvez por isso nunca antes se falara, diretamente, nele. Pois ele estava contido em todos os outros. Era eu, a minha pele e a minha carne. Era vermelho, doce, morango. Morder-lhe a carne macilenta e sentir o gosto docimente ácido do morango maduro. Vermelho. Augusto era vermelho como a carne daquele morango. E quantas carnes Augusto tinha! Fortes, algumas impenetráveis, outras macias. Nunca antes se falara do vermelho sangue de Augusto, nunca antes se falara de sua carne. Augusto tinha o toque macio, fazia-me arrepiar os pelos do pescoço, tinha um olhar sereno que me acalmava, mas era tão somente tocar as minhas carnes que o desespero me possuía. O desespero suculento que saia de minhas carnes com apenas um toque de Augusto. As minhas carnes nas carnes de Augusto, que tanto podia ser Henrique, Luciano, Bruna ou Carolina.
Pois nunca antes se falara dele.

Lorena Borges

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Tema: Paletó

Leve o paletó ao sair de minha vida.

Lorena Borges

Tema: Paletó

Nem se eu fosse um idiota completo, eu poderia deixar de pensar isso. Dizem que ignorancia é uma benção não é? Eu queria ignorar completamente tudo que diz respeito ao lado de lá: os sentimentos, as vontades, os planos, os medos. E me tornaria um sujeito daqueles que ficam no sofá em um domingo eterno, assistindo futebol, esperando o Faustão, a segunda e o próximo domingo. E tudo seria fácil, assim como o amor seria só casamento, o sexo só um desejo esporádico, a cerveja só uma rota de fuga, os filhos só uma despesa... e tudo seria fácil mesmo.
Mas não; o que quero é bem intenso, bem fora de moda, bem inadequado a um homem adulto. Não acho que seja demais isso que eu peço, mas concordo que talvez eu esteja sendo injusto e exigindo da maneira errada.
A sensação quando se abraça uma pessoa amada, é a de que o mundo inteiro lá fora é frio demais, e nada se compara a esse calor: ao calor dos braços, que se transforma no calor do lar dessa pessoa, da cama dessa pessoa. E tudo é confortável nessa reciprocidade.
Mas tudo é frio na ausencia dessa reciprocidade. E a solidão à dois dói mais do que a solidão pura- essa nos ensina e aquela nos engana. E se sentir enganado sem poder sê-lo, é um incomodo enorme. Frio é algo que só faz sentido sentir sozinho.
Portanto, é melhor que eu não esqueça o paletó ao sair.


Túlio Magno

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Tema: Macau

Alguém já ouviu falar de Macau? Esse nome não tinha se passado em minha vida, e veio com tanta intensidade quando recebi um cartão-postal de lá. Mas que diabos alguém estaria fazendo em Macau? Aliás, onde fica essa porra? Eu nem sabia que era país! (aliás, nem sei ainda se é país, parece ser uma região do oriente, porque no cartão havia um monte daqueles simbolozinhos engraçados que os chineses e japoneses usam). Por mim era o nome de uma tribo indígena ou de uma currutela qualquer no Mato Grosso. Que diabos ela foi fazer em Macau, como ela foi parar lá? A infeliz sumiu de uma vez e me vem agora com um cartão-postal de lá. Nem sei que idioma falam! A maldita infeliz filha de uma rapariga vai embora e me manda apenas um cartão-postal, e eu com essa saudade toda. Mas era isso mesmo que ela queria não é? Essa saudade. Isso mesmo que ela sempre buscou, fazer falta. Pois então sinta-se feliz, eu aqui só com um cartão-postal e essa saudade.... e você aí em Macau, fazendo sabe-se lá o que (ó, e mestre google me mostra, lá eles falam português, será que também sofreram com a reforma ortográfica?) Talvez esteja comendo um camarão tomando um suco de alguma fruta exótica, enquando acende um cigarro e vê o por-do-sol, afinal aqui são 5 da manhã e eu perdi a noite toda de sono devido a um bendito cartão-postal de Macau.

É bom saber que num lugar distante alguém pensa em você...

Lorena Borges